Voluntários que ingeriram a substância psicoativa com plantas da Amazônia tiveram melhora da autopercepção em uma situação de ansiedade social; ayahuasca ainda não é recomendada para tratamento
Você já parou para pensar em quantas situações vividas diariamente envolvem interação com outras pessoas? Pode parecer simples, mas ligar para pedir uma refeição ou até mesmo conversar em uma festa pode gerar ansiedade e paralisar pessoas com Transtorno de Ansiedade Social. A doença pode se manifestar com suor excessivo, taquicardia, boca seca, tremor e até tensão muscular em situações que envolvem o relacionamento humano.
Em busca de novas possibilidades de tratamento da fobia social, além da psicoterapia e antidepressivos, pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP concluíram um estudo e os resultados preliminares foram positivos na autopercepção do desempenho ao falar em público com o uso da ayahuasca, que é uma substância psicoativa feita com plantas da Amazônia.
O estudo contou com 17 voluntários e todos receberam informações sobre o estudo e sobre a ayahuasca, preencheram um teste de avaliação da fobia social e participaram de uma entrevista individual para confirmação do diagnóstico do transtorno. Após serem selecionadas, as pessoas foram divididas em um grupo que recebeu placebo e outro que consumiu a substância pela primeira vez na vida.
Antes e após 5 horas da ingestão da substância, os dois grupos passaram por um teste de simulação de uma interação social. A experiência consistia em uma apresentação com tema pré-definido diante de uma tela com a gravação das atividades e, posteriormente, foi preenchido um questionário que avaliou a autopercepção e o grau de ansiedade nas duas apresentações.
“De alguma forma, a substância melhorou a autopercepção dos voluntários, que foi avaliada em forma de teste preenchido pelo participante e que gerou uma pontuação em relação ao desempenho pessoal. Ou seja, elas se sentiam mais seguras e mais capazes do ponto de vista cognitivo de realizar a apresentação”, explica Rafael Guimarães do Santos, principal autor do estudo além de pós-doutorando e orientador credenciado no Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental da FMRP.
Na literatura científica, esse é o primeiro estudo da substância feito em pessoas com Transtorno de Ansiedade Social. Ainda é necessário que novas pesquisas sejam feitas para verificar a segurança da ayahuasca e, por isso, não pode ser indicada como tratamento. “Embora seja um estudo pequeno, abre portas para possíveis terapias no futuro. Mas é muito importante lembrar que é um estudo preliminar e que ainda precisamos avaliar a segurança. Além disso, o fármaco não está aprovado no Brasil e os testes foram realizados em um ambiente controlado com acompanhamento médico”, salienta.
O trabalho Ayahuasca Improves Self-perception of Speech Performance in Subjects With Social Anxiety Disorder foi publicado na revista Journal of Clinical Psychoparmacology e contou com a orientação do professor Jaime Eduardo Cecilio Hallak da FMRP. Além da participação da professora Flávia de Lima Osório da FMRP e dos pesquisadores Juliana Mendes Rocha, Giodarno Novak Rossi, José Carlos Bouso, Lucas S. Rodrigues, Gabriela de Oliveira Silveira e Mauricio Yonamine.
Efeitos da ayahuasca
A ayahuasca é uma substância psicoativa produzida com folhas do arbusto chamado popularmente de chacrona, Psychotria viridis, e da casca do cipó conhecida mariri, Banisteriopsis caapi. “Do ponto de vista farmacológico, ela é classificada como um alucinógeno psicodélico, ou seja, são substâncias que podem produzir mudanças intensas em questão de percepções, emoções e consciência”, conta.
No Brasil, a mistura das duas plantas é usada em rituais religiosos em comunidades indígenas e em religiões sincréticas brasileiras, como Santo Daime e Barquinha, originárias no Acre; e União do Vegetal, fundada em Rondônia.
De acordo com o farmacólogo Santos, as substâncias ativas da ayahuasca atuam em receptores do sistema de serotonina, que está relacionada com a ansiedade, medo, depressão, sono e percepção da dor. Esses receptores estão presentes em áreas cerebrais envolvidas no processamento das emoções e na cognição social, que são os aspectos de como os seres humanos interagem entre si.
Mais informações: banisteria@gmail.com, com o pesquisadores Rafael Guimarães dos Santos