Alunos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP passaram um mês em estágios e aulas na PUCE, conhecendo novas práticas médicas e realidades sociais
Três estudantes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP embarcaram para o Equador com o objetivo comum de vivenciar uma experiência internacional que vai além da técnica médica. O que encontraram nos corredores da Pontifícia Universidade Católica do Equador (PUCE) e nos hospitais locais foi mais do que aulas, plantões e casos clínicos. Foram dias de contato com a medicina indígena, partos interculturais e longas conversas com equipes de saúde que operam sob condições muito distintas do cenário brasileiro. A convivência com outras realidades sociais e culturais aprofundou o conhecimento clínico dos estudantes e os ajudou a repensar o papel do médico no cuidado com o outro.
Rodrigo Colucci Santos (6º ano), Matheus Alves Pereira (4º ano) e Pedro Barros Lemos (3º ano) foram selecionados por edital institucional para representar a FMRP no intercâmbio com a PUCE, em Quito. Cada estudante escolheu a área em que desejava atuar: Santos optou por Gastroenterologia e Ginecologia; Pereira, por Medicina de Família e Comunidade; e Lemos, por Cirurgia Geral.
A escolha de Pereira foi motivada pelo interesse na especialidade que pretende seguir. “A Medicina de Família realiza uma abordagem centrada na pessoa, integrando saúde clínica e mental, com foco nas vulnerabilidades e nos direitos humanos em saúde”, explicou. Ele destacou ainda que, diferente do ambiente hospitalar mais restrito, a atenção primária permitiu uma visão ampla do sistema de saúde equatoriano.
Lemos, por sua vez, enxergou no estágio em Cirurgia Geral uma oportunidade de aprofundar sua compreensão da prática médica. “Essa é uma área que envolve não só a parte técnica, mas também o manejo clínico. No Brasil, até então, eu tinha tido pouco acesso ao centro cirúrgico.”
Santos contou que soube do edital por um amigo. “Sempre tive vontade de vivenciar o sistema de saúde em outro país para ver as diferenças com o nosso. Quando vi o e-mail, me inscrevi imediatamente.”
Cuidado com cultura: rituais, partos e vínculos
Entre as experiências mais marcantes do intercâmbio estiveram o contato com a medicina tradicional indígena e os partos interculturais. Pereira acompanhou de perto a estrutura dos chamados “partos verticais”, realizados com mulheres indígenas que preferem dar à luz sentadas ou em pé, com o apoio de parteiras que preservam os rituais tradicionais. “Esse ensinamento de incluir a cultura da pessoa na assistência […] é necessário realizar para todos, independente do local e país.”
Santos também se impressionou com essa integração. “Gostei muito de ver salas dedicadas à aplicação de conhecimentos antigos que muitas vezes não são mais valorizados no mundo moderno.”
Além do contato clínico, Pereira participou de visitas domiciliares, reuniões de equipe e confraternizações no centro de saúde. “Conheci o território e as relações internas da equipe. Vi, na prática, a diferença que um cuidado humanizado prestado por um médico faz no vínculo com os pacientes.” Ele também observou a atuação do Ministério da Saúde Pública do Equador em campanhas contra a obesidade e a desnutrição infantil.
A realidade sem SUS
Nos estágios realizados em hospitais secundários e terciários, os estudantes se depararam com um cenário marcado pela ausência de um sistema público de saúde universal como o SUS. “A ausência do SUS se mostrava bastante presente quando pacientes com pouco poder aquisitivo não conseguiam comprar os equipamentos ou medicações para os seus tratamentos”, relatou Santos.
Lemos lembra que “a maioria dos casos que apareciam não eram doenças raras, mas complicações de patologias comuns, justamente por causa da falta de acesso à saúde. Grande parte da população indígena tem dificuldade de chegar ao sistema de saúde ou não o busca por questões culturais.”
Diante desse contraste, os três alunos reforçaram o valor do modelo brasileiro. “Essa experiência me fez valorizar ainda mais o SUS e ver a diferença que ele faz na vida da população”, concluiu Santos.
Rotinas intensas, aprendizado profundo

No Hospital de Especialidades Eugenio Espejo, Lemos viveu uma rotina intensa, com plantões e participação direta nas atividades do departamento de cirurgia. “Às segundas e quartas, estávamos no ambulatório, realizando curativos e retirando pontos. Às terças e sextas, passávamos visitas e fazíamos exames físicos. E às quintas, o dia mais esperado: o centro cirúrgico.”
Durante essas atividades, ele participou da intubação de pacientes, instrumentou cirurgias e acompanhou casos complexos, como o de uma paciente com trombose das artérias mesentéricas. “Foi necessário retirar mais de 90% do intestino. Era um quadro praticamente incompatível com a vida. Acompanhei toda a trajetória dela e compartilhei um pouco da sua dor. Foi comovente.”
Santos destacou a formação sólida dos alunos equatorianos, elogiando a estrutura da PUCE. “A estrutura tecnológica me impressionou. Os alunos têm muita base para aplicar seu conhecimento.”
“Lá, os estudantes são submetidos a muito mais experiências práticas. Isso os ajuda a escolher com mais segurança suas especialidades na residência, afirma Lemos.”
Formação ampliada e humana
A despedida da equipe hospitalar foi especialmente marcante para Lemos. “No último dia, todos se levantaram para me aplaudir e abraçar. Foi um gesto simples, mas simbólico diante de tudo o que recebi.”
Santos também valorizou o acolhimento. “Os alunos do Equador me ajudaram em todos os momentos, seja com conteúdo, seja com a rotina do hospital.”
Pereira afirma que a vivência reforçou seu interesse pela Medicina de Família, agora com maior sensibilidade para o cuidado culturalmente orientado. “Reforçou ensinamentos que já havia escutado, como valorizar o paciente, sua cultura e experiência.”
Para Lemos, a experiência revelou a dimensão mais humana da cirurgia. “Não existe apenas um corpo na mesa de operação. O que existem são histórias, sonhos, medos e amores. Entendi lá o que é humanidade.”
Santos encerra com uma reflexão que resume o espírito do intercâmbio: “Por mais diferentes que sejam as culturas, o estudo e a atualização sobre os melhores métodos para tratar um paciente se aplicam em qualquer lugar do mundo.”
Eduardo Nazaré
Dr. Fisiologia – Assessoria de Comunicação da FMRP -USP