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Estudo da FMRP utiliza dados proteômicos como esses para desenvolver um índice que prevê a agressividade de tumores e auxilia na identificação de alvos terapêuticos - Foto: Isabelle de Lima

Estudo computacional com pesquisadores da USP desenvolve abordagem inédita para prever agressividade de tumores

Ferramenta proposta pelos pesquisadores mede a expressão de proteínas tumorais e pode orientar diagnósticos mais precisos e estratégias de tratamento personalizadas

Estudo internacional conduzido em parceria com pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP propõe uma nova forma de avaliar o grau de agressividade de tumores a partir da expressão de proteínas presentes nas células cancerígenas. Publicado na revista Cell Genomics, o trabalho Proteomic-based stemness score measures oncogenic dedifferentiation and enables the identification of druggable targets apresenta o PROTsi, um índice computacional que pode ampliar a compreensão do comportamento tumoral e favorecer abordagens terapêuticas mais direcionadas, com possíveis aplicações futuras na prática clínica.

Segundo a professora Tathiane Maistro Malta, do Departamento de Biologia Celular e Molecular e Bioagentes Patogênicos da FMRP, a ferramenta, que utiliza inteligência artificial, tem potencial para auxiliar na definição da conduta médica, especialmente nos casos em que o prognóstico é incerto.

A ferramenta foi desenvolvida com base em aprendizado de máquina, especificamente o algoritmo OCLR, que possibilitou a geração do índice PROTsi a partir de grandes bancos de dados públicos. “Trabalhamos com uma base de dados de mais de 1.300 amostras, utilizando ferramentas computacionais de bioinformática para identificar padrões moleculares e selecionar proteínas com potencial clínico”, explica a professora.

A proposta é que a metodologia possa, futuramente, contribuir para a redução de terapias ineficazes e da exposição desnecessária a medicamentos em tumores que exijam abordagens mais específicas. “Se validarmos bons biomarcadores, ou seja, proteínas que aparecem comumente em casos graves, isso pode ser implementado na rotina clínica, inclusive no SUS. Com isso, estamos contribuindo para uma medicina mais precisa, mais humana e mais eficiente”, afirma Tathiane.

O PROTsi (Proteomic Stemness Index) é um índice que busca quantificar a chamada “stemness” tumoral, que indica o grau em que as células cancerígenas apresentam características semelhantes às das células-tronco, como a autorrenovação, pluripotência e alta plasticidade. No câncer, esse perfil celular é frequentemente associado a maior agressividade e resistência ao tratamento.

“As células cancerígenas emprestam essas propriedades das células-tronco para favorecer seu crescimento e resistência. Quanto mais indiferenciada é a célula tumoral, mais agressivo tende a ser o câncer”, explica a professora. Com a nova abordagem, a expectativa é que essa característica possa ser quantificada com maior precisão.

A inovação do PROTsi está em sua base proteômica. Ao contrário do mRNAsi, índice anterior, também desenvolvida pelo grupo, que se baseava em dados de RNA mensageiro, o novo índice considera a expressão de proteínas, as quais representam a atividade da célula de forma mais fidedigna. Segundo a professora, as proteínas são moléculas funcionais, ou seja, aquelas que realmente exercem papel biológico na célula.

Validação, novos alvos e reposicionamento de medicamentos

O índice foi gerado por meio da aplicação de algoritmos sobre dados proteômicos públicos do Consórcio de Análise Proteômica Clínica de Tumores (CPTAC), envolvendo 11 tipos de câncer, dentre eles: mama, pulmão (adenocarcinoma e células escamosas), cabeça e pescoço, rim (carcinoma de células claras), cólon, endométrio, ovário, estômago, pâncreas e fígado.

Essa diversidade de tumores permitiu testar a ferramenta em diferentes contextos biológicos e clínicos, ampliando sua aplicabilidade em futuras abordagens personalizadas, com destaque para os cânceres renais, cerebrais e ginecológicos, onde o índice demonstrou maior correlação com estágio da doença e desfechos clínicos. A partir da análise, os pesquisadores identificaram proteínas associadas à agressividade tumoral que podem servir como biomarcadores ou alvos terapêuticos.

Pensando em uma maior assertividade terapêutica, o estudo mapeou fármacos já existentes com potencial para atuar sobre essas proteínas. “Vamos começar pelos alvos que já têm drogas disponíveis, por serem mais rapidamente aplicáveis, mas isso não impede que grupos que trabalham com identificação de novos alvos usem nossa lista de proteínas para desenvolver medicamentos contra elas”, afirma Tathiane.

Outro aspecto relevante da pesquisa foi a análise das modificações pós-traducionais das proteínas — alterações químicas que afetam sua função. Essas modificações, mais frequentes em tumores agressivos, fornecem pistas sobre os mecanismos que tornam o câncer mais resistente. “Compreender essas alterações ajuda a entender o que torna o tumor mais agressivo e pode permitir o desenho de medicamentos que atuem de forma mais precisa sobre as proteínas-alvo”, explica a pesquisadora.

Aplicação clínica e próximos passos da pesquisa

Embora o PROTsi seja uma ferramenta de pesquisa e ainda não tenha aplicação clínica imediata, ele serviu de base para a seleção de biomarcadores testáveis por análises imuno-histoquímicas — exame laboratorial que usa anticorpos para identificar substâncias específicas em células de tecidos, ajudando no diagnóstico de doenças como o câncer.

Segundo Tathiane, o PROTsi funciona como uma ferramenta de apoio à pesquisa, e não como um exame a ser realizado diretamente nos pacientes. “Calcular o PROTsi requer medir praticamente todo o proteoma de uma amostra, o que ainda é inviável em contextos clínicos. Por isso, usamos o índice para identificar quais proteínas estavam mais expressas em tumores agressivos e, a partir delas, selecionar potenciais biomarcadores mais simples de detectar”, esclarece.

A próxima etapa envolve testes funcionais com as drogas identificadas e a construção de um painel de biomarcadores que possa ser usado em contextos clínicos. A longo prazo, o grupo pretende avaliar o desempenho dos marcadores em populações diversas e colaborar com instituições de saúde pública para discutir sua possível adoção.

Um dos princípios do estudo é garantir a representatividade da população brasileira nos modelos de previsão de agressividade tumoral. “Temos diferenças genéticas que precisam ser consideradas na ciência global. Neste caso, a representatividade importa. Nossa missão é saber que estamos ajudando a melhorar o diagnóstico, a qualidade de vida e, quem sabe, o tratamento das pessoas com câncer. Isso dá sentido à pesquisa que fazemos aqui”, conclui Tathiane.


Eduardo Nazaré

Dr. Fisiologia — Assessoria de Comunicação da FMRP-USP