Técnica desenvolvida em Ribeirão Preto utiliza propriedades naturais de fungos na obtenção das nanopartículas
Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP demonstraram, por meio de um estudo com nanopartículas de prata (AgNPs) produzidas pelo fungo Trichoderma reesei, que os nano metais podem inibir a infecção pelo vírus SARS-CoV-2, reduzir a carga viral nos pulmões e atenuar a inflamação pulmonar. Os testes mostraram que essas partículas conseguem bloquear a entrada do vírus nas células, impedindo sua multiplicação, o que demonstrou a funcionalidade específica dessas nanopartículas para o controle do vírus.
O estudo investigou, em laboratório, os efeitos das nanopartículas tanto em células infectadas quanto em hamsters infectados com o vírus. Em ambos os casos houve uma redução significativa da infecção e da inflamação nos pulmões, o que sugere que a utilização dessas nanopartículas pode impedir que o vírus se espalhe pelo corpo e provoque sintomas graves da doença.
Roberto do Nascimento Silva, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da FMRP e coordenador do estudo, conta que a necessidade de novas terapias eficazes para combater o SARS-CoV-2 o incentivou a direcionar sua linha de pesquisa com fungos filamentosos (produtores, por exemplo, de enzimas industriais). A inovação desenvolvida deve servir de base para uma formulação em spray nasal, já que as AgNPs demonstraram potencial para aplicações neste formato. “Elas podem prevenir a entrada do vírus em células humanas, agindo de forma profilática, e tratar células já infectadas, interferindo na replicação viral e tratamento complementar”, finaliza.
Os resultados ainda precisam passar por testes clínicos antes de virar tratamento, revela o pesquisador, a média de tempo para que a tecnologia seja testada em humanos e, possivelmente, aprovada para uso clínico é de cinco anos. Informa também que a tecnologia não foi testada em outras doenças, porém seus estudos sugerem que as AgNPs podem reduzir processos inflamatórios, abrindo a possibilidade para o uso em outras doenças inflamatórias, além da COVID-19, mas que ainda são necessários estudos complementares.
Relação entre íons de prata e fungos
As nanopartículas de prata agora testadas contra a COVID-19 são obtidas por um processo natural em que íons de prata (Ag⁺) são colocados em meio de cultura com o fungo Trichoderma reesei. Segundo o pesquisador, os fungos são capazes de reduzir esses íons a nanopartículas, conversão devida às atividades de proteínas e enzimas produzidas pelo fungo na interação com o íon. Como resultado, são obtidas partículas de tamanho nano com o Ag0 envolvidas pelo material biológico.
O processo de biorredução depende de proteínas do fungo, especialmente aquelas com função de óxido redutase, enzimas que “reduzem os íons Ag⁺ à prata metálica (Ag⁰), permitindo a formação das nanopartículas”, acrescenta Silva, informando que se trata de um processo natural, “mas exige condições específicas, como meio de cultura adequado e controle do pH, escala numérica que determina o grau de acidez de uma solução aquosa.”
Segundo o pesquisador, as nanopartículas biogênicas produzidas pelo Trichoderma reesei foram escolhidas para o estudo pela ampla utilização na indústria biotecnológica e por sua capacidade de reduzir íons de prata a nanopartículas de maneira eficiente, sustentável e ecologicamente amigável. Mas vários estudos demonstram a sustentabilidade e menor toxicidade do método (síntese biogênica) usando outros organismos, incluindo bactérias e fungos. Algumas destas nanopartículas de prata biogênicas já são utilizadas comercialmente em revestimentos antimicrobianos para tecidos e superfícies, “mas ainda não há produtos específicos para o combate ao SARS-CoV-2”, informa o pesquisador.
Já os íons de prata são importantes pelas propriedades antimicrobianas confirmadas em aplicações médicas, como curativos e desinfetantes. “Eles podem interagir com biomoléculas, afetando processos celulares em microrganismos e vírus”, acrescenta Silva.
Nanopartículas menos tóxicas e sustentáveis
Segundo Silva, as nanopartículas já haviam demonstrado, em estudos anteriores, potenciais propriedades antivirais, inclusive contra coronavírus, e a biogênese (formação de um ser vivo a partir de outro semelhante) oferecia uma alternativa sustentável e menos tóxica em comparação aos métodos convencionais de síntese química e produção de nanopartículas.
“As nanopartículas de prata são extremamente pequenas e conseguem interagir diretamente com a proteína spike do vírus, que age como uma chave que o vírus usa para entrar nas células do corpo e se replicar, impedindo que ele se ligue às células humanas”, completa. As partículas também inibem a ativação do inflamassoma, um complexo proteico que desencadeia a inflamação exagerada no organismo, um dos fatores que agravam os casos de COVID-19.
Segundo o professor, as nanopartículas possuem uma camada de proteínas (capping) em sua superfície, o que lhes confere maior estabilidade, reduzem a citotoxicidade, capacidade de causar danos ou morte celular, e melhoram a funcionalidade biológica, permitindo uma interação mais eficiente com biomoléculas e células, além de minimizar efeitos colaterais, observados em nanopartículas convencionais.
Os resultados também foram confirmados por estudos in silico – simulações computacionais usadas para modelar e analisar sistemas biológicos, químicos ou físicos, auxiliando na previsão de resultados sem a necessidade de experimentos laboratoriais. Os testes mostraram que as AgNPs possuem alta afinidade com a proteína spike de diferentes variantes do vírus da COVID-19, sugerindo eficácia contra mutações virais. A afinidade com as variantes do vírus, segundo o estudo, foi consistentemente maior do que com o receptor ACE-2, proteína presente em nosso organismo que facilita a entrada do vírus.
“A síntese biogênica das AgNPs é um método sustentável e escalável, vantajoso para a produção em larga escala; além de sua eficácia antiviral, as AgNPs mostraram eficiência na redução de inflamações pulmonares em modelos animais, o que é crucial no tratamento de COVID-19”, completa.
Texto: Arthur Santos, estagiário sob supervisão de Rita Stella do Jornal da USP.
Dr. Fisiologia — Assessoria de Comunicação da FMRP-USP.