Homenagem que concedeu o título de Professor Emérito a Helio Lourenço, relembra sua trajetória marcada pela defesa da autonomia universitária, ensino inovador e resiliência frente às adversidades
Na última sexta-feira (8), a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP realizou uma cerimônia que marcou o reconhecimento póstumo de Helio Lourenço de Oliveira com o título de Professor Emérito da Instituição. O evento foi um momento de celebração e reflexão sobre a trajetória de um homem cuja vida e obra deixaram marcas profundas na educação médica e na defesa da autonomia universitária. Autoridades acadêmicas, familiares e amigos se reuniram para prestar homenagem a um educador cuja influência transcende o tempo.
A decisão de conceder o título de Professor Emérito a Helio Lourenço, proposta pelo Departamento de Clínica Médica, foi aprovada por aclamação. Durante a cerimônia, o Diretor da faculdade, Jorge Elias Júnior, destacou a importância de Helio como educador, líder, símbolo de resistência e exemplo para futuras gerações. “Todos os dias, ao entrar na sala da diretoria, vejo o retrato do professor Helio. É como se ele olhasse de volta para mim, lembrando-me da responsabilidade e do compromisso que todos temos com esta instituição,” disse o diretor em seu discurso.
Uma vida dedicada à educação médica

Helio Lourenço nasceu em 1917, em Porto Ferreira, São Paulo, e desde jovem demonstrou uma determinação que o guiaria por toda a vida. Sua trajetória na medicina começou na Universidade de São Paulo (USP), onde se destacou por seu intelecto e capacidade de liderança. No início da década de 1950, ajudou a fundar a FMRP, onde ocupou diversos cargos de destaque, incluindo o de chefe do Departamento de Clínica Médica e diretor da faculdade. Ricardo Brandt de Oliveira, filho de Helio e professor do Departamento de Clínica Médica da FMRP, relembra que Helio “sempre acreditou que a educação médica precisava estar fundamentada em um conhecimento científico sólido.”
Brandt também destacou a dedicação de Helio à formação dos médicos. “Ele acreditava que o ensino deveria ocorrer em ambientes que aproximassem os alunos da realidade da saúde pública e da prática médica. Isso era refletido em suas aulas, onde sempre incentivava um diálogo crítico e uma conexão com as necessidades da comunidade,” afirmou Brandt, relembrando a abordagem prática e visionária de seu pai.
Defesa da autonomia universitária e o exílio forçado

Um dos períodos mais marcantes de sua carreira veio em 1969, quando, como reitor interino da USP, Helio enfrentou as tensões políticas do regime militar. O dia 29 de abril daquele ano ficou registrado como um dos mais desafiadores da história da universidade, quando Helio foi cassado e teve seus direitos políticos retirados. O episódio interrompeu momentaneamente sua trajetória acadêmica, representando um golpe contra a autonomia universitária, o que para o professor Marco Antonio Zago não é uma necessidade abstrata; “é a base para que a universidade exerça plenamente sua função na sociedade,” afirmou Zago durante a cerimônia.
Helio Lourenço exilou-se e continuou sua carreira internacionalmente, trabalhando para a Organização Mundial da Saúde (OMS) em projetos no Oriente Médio e na África. Mesmo fora do país, manteve um compromisso inabalável com a educação e a medicina. “Meu pai nunca deixou de acreditar na importância de uma universidade autônoma e aberta à inovação, mesmo nos momentos mais difíceis,” destacou Brandt, refletindo sobre o período de exílio do pai. Após a anistia em 1981, Helio retornou ao Brasil, reassumindo o cargo de chefe do Departamento de Clínica Médica e continuando a influenciar a formação de novos médicos.
Reflexões sobre seu legado

A trajetória de Helio é detalhada no livro Helio Lourenço: Vida e Legado, coescrito por Ricardo Brandt de Oliveira e Regina Prado. A obra traz uma perspectiva íntima e abrangente de sua vida, desde sua infância até os momentos desafiadores da ditadura militar. “A maior lição que meu pai deixou foi a de que a educação e a ciência são pilares inegociáveis para uma sociedade que busca progresso,” afirmou Brandt. O livro também destaca o compromisso de Helio com a formação de uma medicina crítica e socialmente engajada.
“Para meu pai, a congregação da FMRP não era apenas um colegiado administrativo; era um espaço de diálogo e de construção de ideias que impactariam toda a faculdade. Ele tinha um imenso orgulho de participar dela,” relembrou Brandt, sublinhando a relevância desse espaço para Helio e sua carreira.
Os discursos durante a cerimônia foram marcados por memórias pessoais e homenagens que refletiram a influência duradoura de Helio. O Magnífico Reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, relembrou o impacto da cassação de Helio e o contexto histórico em que ela ocorreu. “Períodos de crise revelam os melhores e piores aspectos do ser humano. Helio Lourenço foi um exemplo de resiliência em meio a um período de obscurantismo,” afirmou Carlotti.
Zago trouxe à luz o papel de Helio como pioneiro em um ensino médico baseado em ciência e prática. “O modelo que ele criou e supervisionava formou e ainda forma gerações de médicos que praticam medicina inspirados pela ciência,” destacou Zago. Essa perspectiva foi complementada pelo Diretor Elias Júnior, que compartilhou sua experiência como aluno da FMRP, destacando a presença imponente e inspiradora de Helio, mesmo décadas após seu falecimento.
A imortalidade de um educador

O impacto de Helio Lourenço não se limitou às paredes da FMRP. Seu modelo de ensino e sua defesa da autonomia universitária ecoaram por instituições em todo o Brasil e influenciaram políticas acadêmicas. “O exemplo de meu pai, de um educador comprometido com a verdade e a integridade, continua a ser uma referência não só para mim, mas para todos que tiveram a oportunidade de aprender com ele, direta ou indiretamente”, conclui Brandt.
O atual chefe do Departamento de Clínica Médica, Antonio Pazin Filho, sintetizou essa herança ao dizer que a homenagem reforça a responsabilidade de manter vivo o legado de Helio e continuar a contribuir para a grandeza da instituição. “Essa homenagem hoje prestada ao professor Helio reforça nossa responsabilidade de fazer parte do departamento e de continuar contribuindo para a FMRP e para a USP,” afirmou Pazin.
A cerimônia de outorga do título de Professor Emérito a Helio Lourenço foi uma celebração da memória e do impacto de um homem que, com ética, determinação e paixão pela educação, moldou gerações e deixou um exemplo que continua a inspirar.
Eduardo Nazaré
Dr. Fisiologia – Assessoria de Comunicação da FMRP