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Cerimônia de outorga do título de Professor Emérito a Helio Lourenço de Oliveira (in memorian) - Foto: Documentação Científica FMRP

Legado de um educador inabalável

Homenagem que concedeu o título de Professor Emérito a Helio Lourenço, relembra sua trajetória marcada pela defesa da autonomia universitária, ensino inovador e resiliência frente às adversidades

Na última sexta-feira (8), a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP realizou uma cerimônia que marcou o reconhecimento póstumo de Helio Lourenço de Oliveira com o título de Professor Emérito da Instituição. O evento foi um momento de celebração e reflexão sobre a trajetória de um homem cuja vida e obra deixaram marcas profundas na educação médica e na defesa da autonomia universitária. Autoridades acadêmicas, familiares e amigos se reuniram para prestar homenagem a um educador cuja influência transcende o tempo.

A decisão de conceder o título de Professor Emérito a Helio Lourenço, proposta pelo Departamento de Clínica Médica, foi aprovada por aclamação. Durante a cerimônia, o Diretor da faculdade, Jorge Elias Júnior, destacou a importância de Helio como educador, líder, símbolo de resistência e exemplo para futuras gerações. “Todos os dias, ao entrar na sala da diretoria, vejo o retrato do professor Helio. É como se ele olhasse de volta para mim, lembrando-me da responsabilidade e do compromisso que todos temos com esta instituição,” disse o diretor em seu discurso.

Uma vida dedicada à educação médica

Pioneiros do Serviço de Moléstias da Nutrição e Dietética do Hospital das Clínicas de São Paulo, em 1945. Sentados, da esquerda para a direita, Emilio Mattar, Antonio Barros de Ulhôa Cintra e Helio Lourenço de Oliveira. Em pé, de gorro, Cássio Bottura, que foi um dos pioneiros do Departamento de Clínica Médica da FMRP – Foto: Livro Helio Lourenço: Vida e Legado

Helio Lourenço nasceu em 1917, em Porto Ferreira, São Paulo, e desde jovem demonstrou uma determinação que o guiaria por toda a vida. Sua trajetória na medicina começou na Universidade de São Paulo (USP), onde se destacou por seu intelecto e capacidade de liderança. No início da década de 1950, ajudou a fundar a FMRP, onde ocupou diversos cargos de destaque, incluindo o de chefe do Departamento de Clínica Médica e diretor da faculdade. Ricardo Brandt de Oliveira, filho de Helio e professor do Departamento de Clínica Médica da FMRP, relembra que Helio “sempre acreditou que a educação médica precisava estar fundamentada em um conhecimento científico sólido.”

Brandt também destacou a dedicação de Helio à formação dos médicos. “Ele acreditava que o ensino deveria ocorrer em ambientes que aproximassem os alunos da realidade da saúde pública e da prática médica. Isso era refletido em suas aulas, onde sempre incentivava um diálogo crítico e uma conexão com as necessidades da comunidade,” afirmou Brandt, relembrando a abordagem prática e visionária de seu pai.

Defesa da autonomia universitária e o exílio forçado

Em 1941, logo depois de formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Helio foi bolsista do Pan American Sanitary Bureau, no Departamento de Medicina da New York University – Foto: Livro Helio Lourenço: Vida e Legado

Um dos períodos mais marcantes de sua carreira veio em 1969, quando, como reitor interino da USP, Helio enfrentou as tensões políticas do regime militar. O dia 29 de abril daquele ano ficou registrado como um dos mais desafiadores da história da universidade, quando Helio foi cassado e teve seus direitos políticos retirados. O episódio interrompeu momentaneamente sua trajetória acadêmica, representando um golpe contra a autonomia universitária, o que para o professor Marco Antonio Zago não é uma necessidade abstrata; “é a base para que a universidade exerça plenamente sua função na sociedade,” afirmou Zago durante a cerimônia.

Helio Lourenço exilou-se e continuou sua carreira internacionalmente, trabalhando para a Organização Mundial da Saúde (OMS) em projetos no Oriente Médio e na África. Mesmo fora do país, manteve um compromisso inabalável com a educação e a medicina. “Meu pai nunca deixou de acreditar na importância de uma universidade autônoma e aberta à inovação, mesmo nos momentos mais difíceis,” destacou Brandt, refletindo sobre o período de exílio do pai. Após a anistia em 1981, Helio retornou ao Brasil, reassumindo o cargo de chefe do Departamento de Clínica Médica e continuando a influenciar a formação de novos médicos.

Reflexões sobre seu legado

Helio apresenta o caso de uma paciente do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto ao professor Bernardo Houssay, ganhador do prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1947 – Foto: Livro Helio Lourenço: Vida e Legado

A trajetória de Helio é detalhada no livro Helio Lourenço: Vida e Legado, coescrito por Ricardo Brandt de Oliveira e Regina Prado. A obra traz uma perspectiva íntima e abrangente de sua vida, desde sua infância até os momentos desafiadores da ditadura militar. “A maior lição que meu pai deixou foi a de que a educação e a ciência são pilares inegociáveis para uma sociedade que busca progresso,” afirmou Brandt. O livro também destaca o compromisso de Helio com a formação de uma medicina crítica e socialmente engajada.

“Para meu pai, a congregação da FMRP não era apenas um colegiado administrativo; era um espaço de diálogo e de construção de ideias que impactariam toda a faculdade. Ele tinha um imenso orgulho de participar dela,” relembrou Brandt, sublinhando a relevância desse espaço para Helio e sua carreira.

Os discursos durante a cerimônia foram marcados por memórias pessoais e homenagens que refletiram a influência duradoura de Helio. O Magnífico Reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, relembrou o impacto da cassação de Helio e o contexto histórico em que ela ocorreu. “Períodos de crise revelam os melhores e piores aspectos do ser humano. Helio Lourenço foi um exemplo de resiliência em meio a um período de obscurantismo,” afirmou Carlotti.

Zago trouxe à luz o papel de Helio como pioneiro em um ensino médico baseado em ciência e prática. “O modelo que ele criou e supervisionava formou e ainda forma gerações de médicos que praticam medicina inspirados pela ciência,” destacou Zago. Essa perspectiva foi complementada pelo Diretor Elias Júnior, que compartilhou sua experiência como aluno da FMRP, destacando a presença imponente e inspiradora de Helio, mesmo décadas após seu falecimento.

A imortalidade de um educador

Helio Lourenço profere a aula inaugural do curso de medicina, em maio de 1954, observado por Zeferino Vaz, diretor da FMRP, e por Francisco Degni, diretor da Escola de Farmácia e Odontologia de Ribeirão Preto – Foto: Livro Helio Lourenço: Vida e Legado

O impacto de Helio Lourenço não se limitou às paredes da FMRP. Seu modelo de ensino e sua defesa da autonomia universitária ecoaram por instituições em todo o Brasil e influenciaram políticas acadêmicas. “O exemplo de meu pai, de um educador comprometido com a verdade e a integridade, continua a ser uma referência não só para mim, mas para todos que tiveram a oportunidade de aprender com ele, direta ou indiretamente”, conclui Brandt. 

O atual chefe do Departamento de Clínica Médica, Antonio Pazin Filho, sintetizou essa herança ao dizer que a homenagem reforça a responsabilidade de manter vivo o legado de Helio e continuar a contribuir para a grandeza da instituição. “Essa homenagem hoje prestada ao professor Helio reforça nossa responsabilidade de fazer parte do departamento e de continuar contribuindo para a FMRP e para a USP,” afirmou Pazin.

A cerimônia de outorga do título de Professor Emérito a Helio Lourenço foi uma celebração da memória e do impacto de um homem que, com ética, determinação e paixão pela educação, moldou gerações e deixou um exemplo que continua a inspirar.


Eduardo Nazaré

Dr. Fisiologia – Assessoria de Comunicação da FMRP