Estudos contam com a participação em conjunto de pesquisadores de ambas as instituições em diferentes linhas de pesquisa
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP tem, por meio de um convênio, estabelecida uma parceria em conjunto com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O projeto bi-institucional de medicina translacional, que acontece desde 2016 e combina com a instalação de um escritório técnico da Fiocruz no campus da USP de Ribeirão Preto, se desenvolve por meio de uma plataforma de pesquisa com diferentes linhas de pesquisa.
O pesquisador da Fiocruz e professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da FMRP, João Santana da Silva, explica que é um trabalho conjunto. “Nós temos pesquisadores da Faculdade de Medicina e da Fiocruz trabalhando em conjunto, com isso temos uma relação para pesquisa entre as duas instituições, as quais são as maiores produtoras de ciências do país. Além disso, os especialistas têm livre acesso aos departamentos de ambas as partes para o desenvolvimento de estudos”, afirma Silva.
Além da parceira para o uso das instalações, o professor detalha que a Fiocruz também orienta estudantes da pós-graduação das duas instituições e salienta que é grande a quantidade de alunos da FMRP por conta de seus programas, mas que em caso de aprovação dos projetos e pesquisas, que tiveram participação das duas entidades, o crédito é reconhecido para ambas organizações. Para Silva, esta parceria fortalece o ensino e a capacitação de novos pesquisadores, para que a pesquisa continue e possa evoluir ao longo do tempo.
Durante a produção das pesquisas, o imunologista explana que o primeiro passo é entender o funcionamento da doença. “Ao entendermos o mecanismo da enfermidade podemos interferir em alguns pontos para identificar como ocorre o agravamento ou a melhora, posteriormente a identificação se torna possível a produção de drogas para o combate da doença por meio do tratamento que age diretamente no agente causal, matando o vírus ou protozoário, por exemplo”, comenta Silva.
Linhas de Pesquisa
O professor pontua que sua principal linha de pesquisa é relacionada a doença de Chagas, infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida principalmente por insetos conhecidos como barbeiros. A doença pode ser assintomática em alguns casos e causar sintomas graves em outros, como problemas cardíacos e digestivos, além de levar a complicações crônicas e até à morte, mas, segundo Silva, cada organismo tem uma reação diferente, sendo este um dos objetos de estudo da plataforma de pesquisa.
Nessa linhagem, o professor relata que mesmo com a produção de resposta imune na tentativa de eliminação, o parasita resiste no hospedeiro, com isso, por meio de parceria com a FMRP, os pesquisadores buscam entender quais são os mecanismos de escape que levam o parasita a se livrar da resposta imune.
Além disso, Silva detalha que, devido aos parasitas resistirem a tentativa de imunização, se faz necessário a utilização de drogas fortes para combatê-los, entretanto, o imunologista alerta que os medicamentos para essa condição são extremamente tóxicos para o ser humano. “A grande maioria das vezes, a pessoa não realiza o tratamento quando está na fase crônica, porque a toxidade é muito grande, 60% das pessoas não conseguem tomar a droga, pois sofrem grandes reações colaterais, obrigando a pausa no procedimento”, afirma.
O benzonidazol, principal medicamento utilizado no tratamento, é usado como base para que os pesquisadores possam mudar a estrutura do medicamento e “produzir uma droga parecida, mas que seja menos tóxica e necessite de uma dosagem menor”.
De modo geral, o professor relata que 30% das pessoas infectadas pela doença de Chagas desenvolvem miocardite, assim como é comum em outras infecções, como a COVID-19, por exemplo, os pacientes desenvolverem cardiopatias. Através dessa constatação, o pesquisador relata outra linha de pesquisa em que faz parte, na qual busca entender porque os indivíduos infectados desenvolvem estes problemas no coração.
“A ideia é tentar entender como funciona o mecanismo dos vírus e parasitas, que levam ao desenvolvimento de cardiopatias. Se nós sabermos exatamente como isso funciona, podemos tentar prevenir os casos, atuando diretamente nas causas”, pontua.
Prevenção de novas doenças
Além dos estudos com a doença de Chagas, também são produzidas pesquisas na área de virologia em parceria com o Departamento de Farmacologia da FMRP. Rafael Freitas França, Pós-Doutorado pelo Departamento de Farmacologia da FMRP e pesquisador da Fiocruz, explica que os estudos nesta área visam a identificação dos principais patógenos causadores de doenças virais, como a meningite, por meio do desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico. As pesquisas visam a produção de vacinas com base nos patógenos que possuem potencial de surto e epidemias.
O desenvolvimento do estudo procura entender como os vírus infectam as células de partes específicas do corpo. França explica que para haver a replicação viral, é necessário que o vírus reconheça uma célula para se alojar nela e posteriormente replicar. Ainda segundo o pesquisador, algumas células presentes no organismo possuem genes que bloqueiam a entrada do vírus, fazendo com que não haja a replicação. “A gente usa essas células para identificar quais são os genes essenciais para a replicação desses vírus e identificar os processos de entrada e como eles causam a morte das células”.
A identificação das células que possuem genes resistentes à infecção é feita por meio da técnica de Crispr, ferramenta de edição de genes em larga escala, que ao entrar em contato com a célula apaga os genes de forma aleatória, permitindo a identificação das células sobreviventes. Com isso, é possível entender quais os genes resistentes à entrada do vírus. O virologista conclui que com a identificação de novos alvos terapêuticos, se torna possível o desenvolvimento de drogas para combater ou controlar a infecção, ou a doença — uma vez que nem toda infecção se torna uma doença —, além da prevenção de novos casos.
Estudos com fungos
A parceria entre as instituições estuda também a relação dos fungos com o sistema imune do corpo humano e como ele reconhece as infecções fúngicas. Anamelia Bocca, pesquisadora da Fiocruz é responsável por conduzir os estudos por meio de modelos de infecção subcutânea e doenças sistêmicas, alerta que apesar da pouca incidência, as infecções fúngicas têm alto grau de mortalidade. “Os fungos conseguem sobreviver no nosso organismo de uma forma latente, então quando o indivíduo tem uma depressão da resposta imune, devido a uma série de fatores, os fungos começam a se desenvolver”, alerta a pesquisadora.
Anamelia explica que assim como os seres humanos, os fungos são eucariotos, ou seja, as células possuem um núcleo definido, semelhante às células humanas, o que dificulta a dissociação pelos fármacos e a produção de novos medicamentos, fazendo com que as drogas utilizadas para tratamento afetem também o organismo da pessoa.
A pesquisadora explica que em parceria com o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, o estudo é realizado por meio de coleções de culturas de fungos encontrados nos pacientes do HC, visando entender e conhecer os fungos de cryptococcus e fuzario, por exemplo. Por meio de uma micoteca são analisadas, as características e a virulência para entender como os fungos, localizados na região de Ribeirão Preto, agem, levando os pacientes ao internato.
Anamélia conclui que ao entender como é a resposta imune dos fungos analisados, se torna possível a produção de adjuvantes terapêuticos e novas drogas alvo. “A ideia final é, por meio de novas drogas, usar mecanismos que quebrem a tolerância desses fungos, para que o hospedeiro possa ser tratado”.
Além disso, Anamelia explica que o mecanismo de infecção dos fungos é mais lento do que os vírus e bactérias, e que a maioria dos fungos presentes no organismo humano são patogênicos. Porém, a patogenia deles vem aumentando com o passar dos anos, fator que está diretamente relacionado com o aquecimento global e antifúngicos utilizados na agricultura de grande escala, segundo a pesquisadora.
“Com o aumento da temperatura do planeta e a abundante quantidade de antifúngicos, os fungos passam a se adaptar a novos ambientes, sendo que apenas os mais resistentes sobrevivem. Com isso, alguns deles, como a candida auris, passam a causar patogenias e conseguem sobreviver e se desenvolver próximo a temperaturas de 37 °C, que é a temperatura corpórea”, detalha.
A pesquisadora alerta que em um futuro próximo, a população terá problemas sérios com doenças fúngicas e por conta disso se faz tão necessária a pesquisa de novos fármacos e métodos de prevenção para estas doenças.
Texto: Arthur Santos, estagiário sob supervisão da Dr. Fisiologia – Assessoria de Comunicação da FMRP