O estudo vencedor propõe novos testes sorológicos para diagnóstico e controle da hanseníase
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, recebeu destaque na mais recente edição do Prêmio Veja Saúde Oncoclínicas de Inovação Médica, na categoria Tecnologias Diagnósticas, por estudo inovador no campo da hanseníase. A pesquisa, liderada pelo pesquisador Filipe Rocha Lima e o professor Marco Andrey Cipriani Frade, em parceria com a Fiocruz Bahia e a Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, oferece uma nova ferramenta para o diagnóstico e controle dessa doença, que ainda persiste como um problema de saúde pública no Brasil e no mundo.
Com o Brasil ocupando o segundo lugar global em número de casos, atrás apenas da Índia, as estratégias para diagnóstico precoce e controle da hanseníase são vistas como um dos maiores desafios enfrentados pelas autoridades de saúde. O estudo, visa justamente melhorar esse cenário, apresentando soluções inovadoras que podem ser aplicadas de forma prática e acessível nas redes de saúde pública do País.
Segundo Lima, atualmente não existem testes sorológicos capazes de detectar todas as formas clínicas da hanseníase, especialmente nos estágios iniciais. “Temos uma barreira para a identificação do diagnóstico precoce, ficando sob a responsabilidade apenas da avaliação clínica para confirmação. A introdução de moléculas, que não dependem de uma carga bacteriana aumentada e de formas clínicas mais avançadas, permite que o diagnóstico e o monitoramento ocorram em todo o espectro clínico da doença, especialmente em estágios iniciais e em casos com sinais e sintomas neurológicos”, explicou o pesquisador.
Busca por novas soluções
O estudo teve como foco a identificação de biomarcadores para detecção precoce da hanseníase, usando anticorpos contra a proteína Mce1A, presente na Mycobacterium leprae, bactéria responsável pela doença. Para isso, os pesquisadores avaliaram 82 voluntários residentes de Parnaíba, no Piauí, divididos em grupos distintos: casos novos, pacientes já tratados, contatos de pessoas infectadas e indivíduos saudáveis de áreas endêmicas.
Os resultados indicam que os anticorpos contra a Mce1A podem ser usados como marcadores para monitorar contatos assintomáticos e pacientes em estágio inicial, oferecendo um novo método para a detecção de casos precoces e para o acompanhamento de indivíduos que tiveram contato com o bacilo.
Lima ressaltou que a introdução de um teste baseado em anticorpos pode auxiliar no controle da hanseníase, especialmente em áreas endêmicas. Ele destacou que os principais mecanismos propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde são a busca ativa de casos novos e o avanço em tecnologias que permitam diagnósticos precoces.
“Os biomarcadores que identificamos permitem interpretar em que condição clínica o indivíduo se encontra, direcionando-o para uma avaliação clínica detalhada. Isso possibilita a implementação do tratamento quando o diagnóstico é confirmado, ou um acompanhamento mais curto ao longo dos anos. Dessa forma, estabelecemos uma ferramenta de rastreio populacional, estudando o grau de exposição ao bacilo e caracterizando grupos prioritários”, comentou.
Inovação tecnológica no diagnóstico
Uma das limitações das tecnologias diagnósticas atuais para hanseníase é a falta de um teste sorológico comercialmente disponível que abranja todas as formas da doença. De acordo com Lima, os ensaios atuais com antígenos como o PGL-I possuem baixa capacidade de detectar casos iniciais. “A sorologia anti-Mce1A, além de apresentar maior sensibilidade e acurácia diagnóstica, consegue utilizar três anticorpos diferentes para monitorizar os pacientes e rastrear os contatos com mais precisão”, afirmou.
Com essa tecnologia, a pesquisa espera oferecer um avanço na detecção precoce da hanseníase, propondo um método que detecte a infecção em estágios iniciais, e também funcione como uma ferramenta de monitoramento contínuo. Segundo Lima, essa inovação pode se tornar um instrumento de controle epidemiológico da doença, especialmente em regiões com alta incidência.
Implementação e próximos passos
Para que o teste seja implementado no Sistema Único de Saúde (SUS) e em outras redes de saúde pública, Lima afirma que os próximos passos da pesquisa envolvem a prospecção de um kit diagnóstico. “Estamos desenvolvendo uma ferramenta de baixo custo, fácil execução e aplicável em laboratórios com infraestrutura básica”. A ideia é que essa tecnologia possa ser amplamente utilizada em Unidades Básicas de Saúde (UBS), facilitando o acesso ao diagnóstico precoce em áreas endêmicas e melhorando a resposta ao tratamento.
Além do desenvolvimento do kit, os pesquisadores pretendem expandir a aplicação dos biomarcadores para outras regiões do Brasil, fortalecendo o mapeamento e a gestão dos casos de hanseníase no País. “Objetivamos avançar com novas moléculas e prospectar uma plataforma de diagnóstico que possa ser aplicada por diversos centros de hanseníase, além de utilizarmos os anticorpos testados para o georreferenciamento da cidade de Ribeirão Preto, rastreando áreas e indivíduos prioritários”, diz Lima.
O reconhecimento pelo Prêmio Veja Saúde Oncoclínicas de Inovação Médica é visto pelos pesquisadores como uma oportunidade para dar visibilidade ao tema e mobilizar esforços para o controle da hanseníase. “A hanseníase é uma das doenças negligenciadas e estigmatizadas, com poucos grupos dedicados ao seu estudo comparado a outras enfermidades. Esse prêmio é um veículo de divulgação e alerta, mostrando que a hanseníase ainda é um importante problema de saúde pública no Brasil”, afirma Lima.
O pesquisador destaca que o foco da pesquisa agora é validar a tecnologia em diversas localidades para ampliar sua utilização. “Nosso objetivo é tornar o diagnóstico acessível, rápido e preciso, favorecendo a detecção precoce e o tratamento adequado em todos os níveis do sistema de saúde”.
Com a ampliação da pesquisa e a implementação dos biomarcadores, os pesquisadores da FMRP esperam contribuir para uma queda nos casos de hanseníase e, consequentemente, na transmissão do bacilo. O desenvolvimento de tecnologias acessíveis para o diagnóstico precoce se alinha com as diretrizes da OMS e do Ministério da Saúde, propondo uma solução prática para um problema de saúde pública que persiste no País.
Lima reforça que o trabalho desenvolvido é fruto de anos de pesquisa e colaboração, iniciando-se em 2013 e envolvendo parcerias importantes para a obtenção dos resultados atuais. “O trabalho que realizamos é parte do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária e Hanseníase do Hospital das Clínicas da FMRP. Essa linha de pesquisa, que venho desenvolvendo ao longo da minha trajetória acadêmica e científica, reflete o compromisso em gerar produtos que impactem positivamente a saúde pública.”
Texto: Eduardo Nazaré – Dr. Fisiologia
Assessoria de Comunicação da FMRP