Projeto vai capacitar docentes e preceptores para a aplicação de novos métodos de avaliação prática do estudante
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP foi contemplada pelo National Board of Medical Examiners, dentro do edital Latin America Grants (NBME-LAG) para financiamento do projeto À pirâmide de Miller e além: capacitação docente para avaliação sistemática do estudante no cenário da prática profissional. O objetivo do Programa de Subsídios do NBME-LAG é promover a colaboração entre consórcios nacionais de escolas de profissões da saúde, financiando projetos inovadores e sustentáveis relacionados à avaliação e que abordem as necessidades e prioridades locais. A proposta recém-aprovada tem como proponentes a FMRP, a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).
A escolha dos métodos a serem empregados na avaliação do estudante deve seguir o critério de melhor ajuste à natureza das habilidades e competências do domínio que se quer conhecer. Esta tarefa é facilitada por alguns modelos conceituais, como a Pirâmide de Miller. A professora Elen Almeida Romão, do Departamento de Clínica Médica da FMRP, explica que a pirâmide proposta por Miller em 1990, é um modelo conceitual, dividido em quatro componentes, que ilustram as bases cognitivas (“saber” e “saber como fazer”), habilidades clínicas em situação simulada (“demonstrar”) e habilidades para a prática profissional em cenários reais (“fazer”). Nestes dois últimos componentes é onde realizamos a avaliação de habilidades e competências práticas (“mostrar como faz”), especialmente interessante nas áreas clínicas e aplicadas. Segundo a professora, recentemente, a pirâmide de Miller foi complementada, com um quinto nível, que é o domínio do profissionalismo (atitudes, valores profissionais) e diz respeito à formação da identidade do profissional médico.
“Este modelo prevê que, para se avaliar a competência pretendida, é necessário empregar um método adequado ao propósito da avaliação. Por exemplo, uma prova escrita não é capaz de avaliar adequadamente a capacidade de um estudante de realizar uma sutura ou de se comunicar com o paciente. Um único método avaliativo, não é capaz de definir a competência do estudante para o exercício profissional. A maioria das avaliações que são feitas nos cursos da saúde são provas escritas, que avaliam bem o conhecimento e sua aplicação. Para avaliar habilidades clínicas e profissionalismo, outros métodos de avaliação prática, capazes de avaliar as competências estabelecidas no topo da pirâmide de Miller, precisam ser usados. As avaliações no cenário de prática real se encaixam neste perfil”, explica Elen.
Implementação das artes cênicas
Atrelado ao uso da Pirâmide de Miller, as artes cênicas têm potencial para capacitar estudantes de medicina a serem protagonistas de sua aprendizagem e desenvolvimento profissional. Portanto, este projeto pretende capacitar professores e preceptores para o uso do Medical Education Empowered by Theater (MEET). Nesta metodologia, são utilizadas técnicas de ensino de teatro para desenvolver capacidades importantes na medicina, como: presença, empatia, improvisação, comunicação (verbal e não verbal) e inteligência cênica, que se refere à capacidade de autoavaliação e reflexão sobre o próprio desempenho.
Conforme explica a professora, “o elo entre a arte e a medicina tem grande potencial de contribuir com o profissionalismo e apresenta-se como área inovadora no ensino das profissões de saúde”. Para este projeto, os participantes contarão com o auxílio de professores e pesquisadores do Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação (Laborarte) da Faculdade de Educação da Unicamp na capacitação.
Processo Avaliativo
A literatura científica na área de educação médica aponta que, durante a avaliação do estudante, uma das principais modificações na organização foi a criação de Sistemas de Avaliação (Systems of Assessment), que engloba também o conceito da avaliação programática do estudante (Programmatic Assessment). Neste modelo, deve-se avaliar conhecimentos, habilidades e atitudes (profissionalismo), e o programa de avaliação deve ter uma coordenação centralizada (institucional), preocupada com a qualidade e com atributos dos métodos de avaliação e com docentes e tutores familiarizados com as práticas avaliativas.
Elen explica que a avaliação do estudante é um processo de coleta, análise e interpretação de informações sobre o desempenho nos domínios cognitivo, psicomotor e afetivo, sendo a base da avaliação baseada em competência. “Ao avaliar estudantes, temos três propósitos possíveis: tomar uma decisão (avaliação somativa); promover a aprendizagem (avaliação formativa) e aperfeiçoar o processo educacional (avaliação formativa ou diagnóstica)”.
As avaliações no cenário de prática real têm vantagens como integração entre o aprendizado e o trabalho, proporcionando a experiência de aprendizagem e oportunidades para que os estudantes possam praticar e aplicar seus conhecimentos e habilidades em situações do mundo real. Além disso, esses métodos avaliativos propiciam a oportunidade de devolutiva imediata para o estudante, sendo uma ferramenta importante para a avaliação formativa.
Benefícios para a FMRP
Com a implementação do projeto, o principal impacto da avaliação do estudante de medicina é garantir a segurança do paciente, sendo a avaliação a forma mais adequada de averiguar a competência para a prática profissional autônoma.
Os novos métodos de avaliação, conforme explica a professora, oferecem maior certeza da formação de bons profissionais, que são aqueles que, além de habilidades cognitivas(conhecimento teórico), também têm habilidades psicomotoras e afetivas comprovadas. “Como as avaliações práticas permitem a devolutiva de imediato, este método de avaliação contribui para a reflexão e amadurecimento pessoal do estudante. Ele aprende a reconhecer as fragilidades em sua formação e as oportunidades de recuperar déficits que existam antes de estar formado”, afirma Elen.
Em uma visão mais ampla, Elen avalia que o projeto contribui diretamente para a nossa sociedade, garantindo bons profissionais da área da saúde. A FMRP há décadas contribui com a formação de mestres e doutores do conhecimento e, agora, tem ampliado sua atuação na formação de professores, os quais atuam na capacitação de profissionais da saúde, com destaque no cenário nacional e internacional.
A professora da FMRP avalia que, de modo geral, os professores de escolas médicas, e de outras profissões da saúde, têm muita habilidade e experiência com a avaliação de conhecimentos e sua aplicação, ou seja, provas escritas ou provas orais. “Eles têm algum conhecimento e experiência com a avaliação de habilidades clínicas e profissionais, como a capacidade do estudante de se comunicar, fazer a anamnese, o exame físico, realizar procedimentos e orientar/educar pacientes e familiares”. No entanto, a maioria dos professores e preceptores têm pouco conhecimento e experiência para realizar a avaliação de profissionalismo e aquelas que exigem uma devolutiva, afirma Elen.
Em consequência, a docente explica que o foco central do projeto é a transformação que será promovida. “Além de capacitar professores e preceptores na avaliação de profissionalismo e técnicas de feedback, vamos aprimorar uma plataforma criada na FMRP para dar suporte à avaliação programática (o e-Portfólio do estudante)”, enfatiza. A plataforma permite registrar avaliações formativas, narrativas de estudantes sobre suas vivências e agrupar os resultados de todas as avaliações feitas, de modo que fique mais clara a percepção de seu crescimento e aquisição de competência ao longo de sua formação.
As escolas envolvidas no projeto Latin America Grants 2024-2026 receberão recursos para implantar ou fortalecer seus sistemas de avaliação. Esse fortalecimento será feito com a capacitação de docentes das três instituições envolvidas, com ênfase na avaliação formativa de profissionalismo do estudante nos cenários da prática profissional.
O Centro de Desenvolvimento Docente para o Ensino da FMRP-USP (CDDE) participou da concepção da proposta e ficará responsável pelas oficinas de desenvolvimento docente. Desde 2017, quando foi criado, o CDDE tem participado em todas as iniciativas de qualificação do ensino de graduação na FMRP, e já foram captados mais de um milhão de reais para projetos nesta área. Esses projetos contribuem para a capacitação de centenas de professores e, em última análise, beneficia milhares de estudantes de várias instituições de ensino brasileiras.
O projeto Latin America Grants 2024-2026 é liderado pela FMRP e tem como responsáveis os professores: Elen Almeida Romão, Mariana Kiomy Osako, Fabio Carmona, Cinara Silva Feliciano e Valdes Roberto Bollela.