Trabalho pode auxiliar na compreensão de doenças como o diabetes, a resistência à insulina e a obesidade
Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP descreveram a anatomia e o mecanismo de comunicação do sistema nervoso simpático com o fígado para a produção de glicose. Em situações de estresse, fibras nervosas levam ao fígado informações para iniciar o processo. Os resultados do estudo devem auxiliar na compreensão de doenças metabólicas que envolvam a produção de glicose em situações de estresse.
No estudo, A inervação noradrenérgica hepática atua via CREB/CRTC2 para ativar a gliconeogênese durante o frio, publicado pelo doutorando Henrique J. Novaes Morgan sob a orientação do professor Luiz Carlos C. Navegantes, ambos do Departamento de Fisiologia da FMRP, em parceria com o Instituto Salk, nos EUA, a Universidade de Oxford e o Instituto Francis Crick, na Inglaterra, os pesquisadores induziram o estresse em camundongos utilizando baixas temperaturas, para que ocorresse a ativação dos nervos que secretam um neurotransmissor específico, a noradrenalina.
Também chamada de norepinefrina, a noradrenalina é responsável por grande parte dos ajustes metabólicos, cardiovasculares e comportamentais da resposta ao estresse. Conforme explica Navegantes, esse conjunto de ajustes são conhecidos como reações de “luta-e-fuga”. “Pense, por exemplo, o quanto eles são importantes em uma luta entre predador e presa. Nestes casos, conseguimos sobreviver ao estresse graças à noradrenalina. Entre os ajustes metabólicos ao estresse, temos o aumento da glicemia produzida pelo fígado que é direcionado ao cérebro, ao músculo e outras partes do corpo”, explica Navegantes.
Visualização do mecanismo de comunicação
Para que fosse possível visualizar como o mecanismo ocorre, os pesquisadores utilizaram uma técnica inédita no Brasil chamada 3DISCO. O principal objetivo deste método é tornar órgãos, como o fígado, transparentes para que os cientistas possam ver suas estruturas internas, como os nervos e vasos sanguíneos, em detalhes. Portanto, conforme explica Navegantes, “foram utilizados solventes químicos para clarear o fígado dos camundongos; e com o uso de um microscópio superpotente, foi possível visualizar e reconstruir de forma tridimensional como a inervação chega no fígado”.
Observaram que, para a produção de glicose, o sistema nervoso simpático não se comunica com o fígado diretamente. Segundo o professor, o processo usa as fibras nervosas que formam uma rede ao longo dos vasos, mas não tocam diretamente nas células do fígado (hepatócitos). “Com isso, a noradrenalina é secretada pelas fibras nervosas do sistema nervoso simpático e chega até o hepatócito por meio de uma rede nervosa que circunda o fígado, liberando cálcio e ativando genes responsáveis pela formação de glicose”, acrescenta.

Relação do estresse com as doenças metabólicas
No estresse do dia a dia também há ativação dos mesmos nervos e de muitos outros. Porém, informa Navegantes, como há diferentes formas de estresse e cada indivíduo ou espécie responde de forma diferente, é muito difícil generalizar. Porém, “em situações estressantes há um aumento da frequência destas respostas e, portanto, o risco do diabetes e de outras doenças metabólicas aumenta porque a atividade simpática aumenta, contribuindo assim para a glicemia elevada”, afirma.
Outro fator que pode desencadear o aparecimento de doenças metabólicas é a genética. Por isso, é seguro dizer que indivíduos com fatores genéticos e estressados têm mais chances de desenvolver diabetes. O professor também alerta que esta regulação neural pode estar comprometida em situações de doenças do próprio fígado, como a inflamação e os transplantes, onde esta comunicação é perdida.
Assim, os resultados do estudo devem ajudar a compreensão desses mecanismos, o que é importante para entender o funcionamento das doenças metabólicas, como diabetes, a resistência à insulina e a obesidade. Podem ainda abrir caminhos para novos estudos focados no tema, especialmente em situações de alterações do sistema nervoso simpático causadas pelo estresse diário que levam ao aumento da glicemia associada ao aumento da pressão arterial.
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Texto: Eduardo Nazaré – Dr. Fisiologia.
Assessoria de Comunicação da FMRP.