No momento, você está visualizando FMRP forma 66ª turma do curso de Medicina
Foto: Documentação Científica-FMRP

FMRP forma 66ª turma do curso de Medicina

A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP realizou a outorga de grau da 66ª turma do curso Medicina na última sexta-feira, dia 25 de novembro.

  • Homenagens

Patrono: Prof. Dr. José Sebastião Santos
Paraninfa: Profa. Dra. Carolina Sales Vieira
Nome de turma: Profa. Dra. Silvana Maria Quintana
Docentes homenageados: Prof. Dr. Afonso Dinis Costa Passos, Profa. Dra. Alessandra Kimie Matsuno, Profa. Dra. Ana Paula de C. Panzeri Carlotti, Prof. Dr. Ayrton Custódio Moreira, Profa. Dra. Maria de Fátima Galli Sorita Tazima, Prof. Dr. Gilberto Gambero Gaspar, Prof. Dr. Jayme Adriano Farina Júnior, Prof. Dr. José Antônio Marin Neto, Prof. Dr. Sonir Roberto Rauber Antonini e Prof. Dr. Wilson Salgado Junior
Contratados homenageados: Maurício Godinho, Marcelo Luz Morgan de Aguiar, Guilherme Gozzolli Podolsky Gondim, Patrícia Pereira dos Santos Melli, Sílvio Antônio Franceschini e Tarcísio José da Silva Júnior
Residentes homenageados: Felipe Silveira Anselmo dos Santos, Caio Vinicius Souza Tosetti e Octávio Augusto Latanze Godoy Vicente
Funcionária homenageada: Marivone Colmanetti Lopes

Veja mais detalhes:
Oradora da turma: Caroline Merino Nascimento
Juramentista oficial: Marina Madureira de Oliveira
Juramentista festivo: Matheus Kenso Grupioni Shimoki
Discurso do professor Rui Alberto Ferriani, professor e diretor da FMRP:

Cumprimento as autoridades presentes ou representadas, meus colegas professores, servidores não docentes, senhores pais, convidados, meus caros formandos.

Essa é a sessão solene de cerimônia de outorga de grau aos formandos da Sexagésima Sexta turma da FMRP USP. Trata-se de ato ritual, que marca um episodio de valor, uma fase de vida, uma conquista. Esta manhã, com os nossos atos simbólicos da colação de grau propriamente dita, e o juramento por vocês tornado público, selamos um período de grande importância a cada um de vocês e de seus núcleos familiares, e reiteramos o nosso papel público de entregar à população médicos conscientes e bem treinados. A solenidade é singela, mas ela representa muito.

Quanta coisa aconteceu enquanto vocês por aqui estiveram. Pensem um pouco nos vários momentos desde que aqui chegaram. Calouros com percepções as mais diversas, expectativas que talvez nem mesmo vocês faziam ideia que tinham. Uma coisa é certa, os momentos aqui vividos jamais serão esquecidos, e virão à tona em diversas fases de suas vidas futuras. Quais eram os sonhos? Eles foram concretizados? As expectativas foram superadas? Novas foram criadas? Quanto tempo!

As conquistas coletivas e individuais foram celebradas em seu devido tempo, e hoje recebem o grau de médico, conferido de acordo com a LEI Nº 12.842, DE 10 DE JULHO DE 2013, que estabelece quais são as atividades privativas do médico. Mas temos problemas mesmo dentro da nossa área, a Medicina. Ao conferir este grau, a legislação vigente, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Resolução Nº 3 do Ministério da Educação, de 20 de Junho de 2014, define as competências esperadas para o egresso dos cursos de medicina no Brasil. Nelas, embora tenham sido definidos 3 eixos de competências (Atenção a Saúde, Gestão da Saúde e Educação em Saúde), não há uma distinção clara dos seus subcomponentes (conhecimentos, habilidades e atitudes). Também não há uma definição precisa das atividades profissionais confiáveis, (EPAs) para os quais os recém-formados deveriam estar preparados para executar sem supervisão. Já devem ter ouvido o comentário bem comum, a partir de hoje, vocês legalmente podem abrir uma cabeça, operar um coração ou fazer uma prescrição de um diurético ou vermífugo. Será isso correto? Acredito que as DCN-2014 precisariam ser revistas para incorporar as EPAs, que seriam o principal referencial para a formação e avaliação, como já está sendo feito em outros países como nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Holanda.

Por que devemos nos preocupar com isso? Sabemos que vocês já estão, de um certo modo, acostumados a situações de estresse. Ao longo do tempo universitário, a par de todas as dificuldades técnicas enfrentadas, o que constatamos é que o ambiente competitivo, desgastante, estressante, os torna, entre os diversos cursos de graduação, como fatores de risco aumentado para problemas de saúde mental, que muitas vezes culminam com desfechos ruins e até trágicos. Mas estão entrando agora em um mercado altamente competitivo e certamente com grandes distorções, que requer ações corretivas coletivas e públicas, com o risco de perdermos qualidade essencial para o cuidado da saúde humana.

Ao longo dos seus 70 anos, a Missão da FMRP continua clara a toda sua comunidade, e reforço aqui a vocês: “Oferecer educação superior de excelência, propiciando a formação de profissionais de saúde com elevado nível de capacitação e potencial de liderança, com base em preceitos éticos, morais, científicos e humanísticos; formar pesquisadores competentes em seus programas de pós-graduação e produzir pesquisas inovadoras de alta qualidade, com inserção internacional, explorando a fronteira do conhecimento, mas também atentas às necessidades da sociedade; interagir continuamente com o poder público e com a sociedade na promoção de assistência qualificada à saúde e na disseminação de novos conhecimentos.”

Não estamos alheios ao momento crítico atual, a baixa qualidade do ensino médico em nosso país, com carência de bons profissionais. Enquanto continuamos investindo forte no pilar de ensino dentro de nossa Instituição, e posso afirmar que temos honrado nossa missão de entregá-los à sociedade capacitados, o Brasil passa por problemas nesta área. Em 1997, tínhamos 85 escolas médicas. Hoje são 355; só a Índia oferece mais opções na área. São 35.832 mil vagas para ingresso, número mais que suficiente. De acordo com o estudo Demografia Médica Brasileira 2020, são cerca de 500 mil médicos no país. Portanto, a razão de médicos por habitantes é de pelo menos 2,38 médicos para cada mil habitantes. Trata-se do maior quantitativo e da maior densidade de médicos já registrados. Por estes dados, podemos pensar que, já que temos esse enorme contingente de escolas e formados, temos uma boa e abrangente formação médica.

Mas é preocupante termos também em nosso país mais 500 mil influenciadores digitais com mais de 100 mil seguidores. Não é fácil pedir a um jovem para estudar para entrar em uma escola de medicina e ficar por mais de 9 anos estudando para entrar em um mercado com qualidade deteriorada pela má formação. Há pesquisas que mostram que significativa parcela dos formados pensam em empreender, muitas vezes em mundo digital, mais promissor e menos compromissados.

E O que é o mundo real?  Embora tenha havido um forte incremento no número de cursos de medicina, estudo do Conselho Federal de Medicina mostra que 94% das instituições de ensino superior que oferecem vagas para medicina estão em municípios com déficit em pelo menos um dos três parâmetros considerados ideais para o funcionamento dos cursos. Quase 40% das escolas abertas a partir de 2011 estão em locais sem estrutura e com campos de estágio inadequados. Houve em 2013 iniciativa do Ministério da Educação que condicionava a abertura de escolas médicas em municípios que respondessem adequadamente às exigências. Contudo, esses critérios – também defendidos pelas entidades médicas – foram flexibilizados em 2015, por ser negócio altamente rentável, mas esquecendo-se de qualidade e inserção no SUS. Participamos da luta por elevar o nível das escolas médicas e ampliar os campos de estágio destes formandos. Sei que vocês tiveram queixas e reivindicações, isso é salutar e estimula mudanças, mas vejam que nossa situação ainda é bem privilegiada nesse contexto brasileiro.

E depois de formados? Temos escolas que cobram mensalidades de R$ 12850,00, e este aluno precisará receber de volta este investimento. E isso torna a Medicina cada vez mais um negócio, e menos uma arte. Em 2019, 17.350 médicos iniciaram ingressaram como R1. Em 2010, esse número era de 9.563, ou seja, um aumento de 81% no período. Embora tenha ocorrido essa expansão na formação de médicos especialistas na última década, as vagas de R1 ocupadas a cada ano ainda representam um número menor do que o de médicos graduados no ano anterior.

Apesar do crescimento quantitativo de médicos em RM no Brasil na última década, esses profissionais permaneceram distribuídos de forma desigual pelo território brasileiro, assim como as instituições e programas que oferecem vagas. A região Sudeste concentra 57,3% dos 53.776 médicos residentes – mais da metade de todo o país. Concentra também mais da metade dos programas autorizados (2.491), oferecidos por 374 instituições. Somados, Sudeste e Sul reúnem praticamente três quartos dos residentes do país. A região Nordeste reúne 15,7% do total de médicos residentes e o Centro-Oeste, 7,2%. O Norte tem o menor número de residentes, 1.993 (3,7%).

Isso deu margem ao mais novo fato de nossa realidade, a ABERTURA DE “CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO MÉDICA” À MARGEM DO REGRAMENTO DA COMISSÃO NACIONAL DE RESIDÊNCIA MÉDICA – CNRM. Recentemente várias instituições de ensino realizaram a abertura destes cursos de Especialização Médica instituídos por meio de parcerias com empresas da área da saúde. De acordo com conteúdo propagandístico amplamente distribuído pelas próprias instituições, trata-se de um Programa de Especialização Médica para “formação” de especialistas, com a realização de atividades teórico-práticas in loco nos hospitais da rede de Saúde. Tais instituições destacam como benefícios que os alunos poderão cursar o período eletivo em hospitais do grupo em diversas regiões do país, em formato híbrido, com plantões remunerados e possibilidade de efetivação com acesso prioritário a posições no corpo clínico, bem como redução do tempo de “MBA em Gestão para Médicos” de 18 meses para 12 meses. Olhem quanta atração! Diante desses casos, a CNRM recentemente emitiu posicionamento, junto com a AMB, reforçando que estas instituições não poderão usar o termo “Residência Médica”, restrito, por Lei, aos Programas reconhecidos e credenciados pela CNRM. É evidente que essas veiculações induzem os médicos a erro, fazendo-os crer que estão se formando numa especialidade médica, o que é temerário, não procede e, principalmente, viola a legislação atinente à obtenção do Título de Especialista.

De nossa parte, queremos médicos com responsabilidade social, e que participem de parcerias saudáveis e retribuam à sociedade o grande investimento que ela faz. Nesse cenário, nota-se que as universidades brasileiras estão imersas em controvérsias de várias ordens, que se agudizaram em função do aprofundamento da crise atravessada pelo Brasil contemporâneo, e onde múltiplos atores se movimentam, as universidades públicas paulistas têm conseguido se destacar no âmbito internacional, e constituem uma ilha de segurança que todos aqui temos obrigação de zelar.

Mas o que esperamos de vocês? Esperamos que tenham percebido quão ínfima é a nossa capacidade de resolver grandes problemas, mas quão grande é nossa capacidade de resolver pequenos desafios, de como somos uteis ao simplesmente mostrarmos nosso afeto e nossa solidariedade com os nossos próximos. Ter capacidade técnica aliada a sentimentos sempre trará bons resultados. E, nada do grande investimento que fazemos em educação será valido se não tiverem percebido que quem fica doente é o ser humano e não o seu órgão ou sistema, e que esse ser humano faz parte de um contexto social indissociável de sua presença. Isso é medicina! Respeito ao próximo, cidadania em cada ato, e preocupação com cada uma das palavras desse juramento. Que esse juramento não seja apenas parte de uma solenidade, mas sim parte de suas vidas.

Senhores pais e familiares, vocês foram e são responsáveis pela formação de nossos formandos, a FMRP agradece o privilégio de ter convivido com eles ao longo destes anos de graduação, e espera ter acrescentado valores científicos e morais a eles. E como foi nosso dever dar-lhes essa formação, é nosso dever também cobrar-lhes esta retribuição para a sociedade em que agora se inserem. Façam sempre a diferença, empregando sempre valores morais, éticos e técnicos em todos os seus atos. Vocês têm seus sobrenomes, certamente com muita honra, e acrescentam agora em seus nomes a categoria de ser um ex-aluno da gloriosa FMRP. Esse jamais lhes será tirado. E nos orgulhamos de tê-los sempre conosco.

Que tenham sucesso, glória, realizações. Mas que consigam o mais importante, sejam felizes! Parabéns! Vocês merecem!

Por: Rui Alberto Ferriani, professor e diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP