Autores: Djúlio César Zanin e Mèdéton Mahoussi Michäel Boko
Editado por: Vânia Bonato
Artigo: Biram, A. et al. Bacterial infection disrupts established germinal center reactions through monocyte recruitment and impaired metabolic adaptation. Immunity, v. 55, p. 442-458, 2022. doi: https://doi.org/10.1016/j.immuni.2022.01.013
Texto elaborado por estudantes do Programa de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada (PPG-IBA – FMRP-USP). O texto representa um dos requisitos para a avaliação dos estudantes de doutorado cursando a disciplina Journal Club
Apesar da eficiência da resposta imune humoral, muitos patógenos conseguem induzir à formação de anticorpos de baixa afinidade e até mesmo o colapso do centro germinativo (CG): uma estrutura essencial para o desenvolvimento de células B produtoras de anticorpos de alta especificidade por meio do processo de hipermutação somática. Bactérias como a Salmonella typhimurium (Stm), conhecida por causar gastroenterite e febre tifoide, são capazes de reduzir o número de células B do CG, no entanto, ainda não está claro por qual mecanismo, bem como sua influência durante uma segunda infecção. Com isso, Biram e colaboradores investigaram como uma infecção bacteriana secundária afeta a resposta imune adaptativa contra patógenos primários.
Inicialmente, utilizando modelos murinos de infecção viral (vírus da influenza) ou parasitária (Plasmodium yoelli), seguido de uma infecção bacteriana secundária pela STm, os autores notaram uma redução significativa das células B do CG no linfonodo e no baço dos animais, sugerindo que o colapso do CG era independente do patógeno envolvido com a infecção inicial. A infecção pela STm por si só também foi capaz de reduzir as células B CG nas placas de Peyer (PP) no intestino, assim como a administração de LPS ou da bactéria inativada.
Os experimentos posteriores buscaram analisar em profundidade apenas como a infecção pela STm afetava a resposta humoral no microambiente de mucosa, uma vez que existem poucos trabalhos que relatam como este patógeno perturba especificamente o CG in vivo no intestino. Assim, os autores focaram em detalhar os mecanismos moleculares e celulares que afetavam as células B CG na infecção. O sorting das células B CG dos animais infectados, seguido de análise do transcriptoma demonstrou que estas células tinham um aumento da assinatura de genes relacionados à hipóxia e das vias de sinalização de citocinas inflamatórias, especialmente TNF e IFN-γ. Por outro lado, apresentaram diminuição da assinatura gênica relacionada ao metabolismo de ácidos graxos. De fato, células B CG dependem da oxidação de ácidos graxos para respiração celular1.
Diferentes ensaios metabólicos comprovaram que, ao contrário de células B näive, que utilizam a via de glicólise como principal fonte energética, as células B CG usam primariamente a fosforilação oxidativa. Contudo, células B CG isoladas de animais que receberam administração de LPS tinham esta via metabólica prejudicada.
Em seguida, os autores observaram que a STm não era capaz de interagir in vivo com as B CG da PP, sendo encontrada principalmente em uma região extrafolicular, denominada cúpula subepitelial. Com isso, o uso de animais deficientes em toll-like receptor 4 (TLR4) certificou que não era o reconhecimento direto das bactérias pelas células B que mediava o colapso do CG, o que levou os autores a suspeitarem da ação de, talvez, outros fatores do microambiente local. Logo, constataram que a infecção pela bactéria promovia um aumento significativo do número de células mieloides.
Explorando em profundidade estas células mieloides, viu-se que um aumento considerável de monócitos com o fenótipo Ly-C6hi MHC-II+ Sca-1+ (antígeno de células-tronco 1) e CXCR1–. Tais células também apresentam níveis elevados da expressão de genes relacionados a TNF e IFN-γ. Através de um elegante modelo murino: CCR2RFP/RFP, animais deficientes em CCR2 (receptor necessário ao homing de monócitos para órgãos linfoides secundários, porém com uma proteína fluorescente introduzida no gene, os autores viram que os monócitos Sca-1+ se acumulavam na medula óssea. Tal acúmulo foi diretamente associado ao papel de IFN-γ, o que era similar a outros resultados que descreviam a formação destas células mediada por IFN-γ no quadro de infecção por Toxoplasma gondii2. O bloqueio com anticorpos monoclonais contra CCR2 IFN-γ em animais infectados pela Salmonella reverteu o colapso do CG, com aumento significativo do número de células B neste local, bem como normalização da assinatura gênica. Além disso, foi identificado que, uma vez recrutados ao CG, o principal fator produzido pelos monócitos envolvido no colapso era TNF.
Ao final, infectando os animais com Listeria monocyogenes, outra bactéria conhecida por induzir à produção de TNF e IFN-γ3, os autores verificaram que, de forma similar à STm, o colapso do CG também ocorria.
Em suma, o estudo de Biram e colaboradores (2002), revela o mecanismo envolvido no colapso do centro germinativo mediante infecções bacterianas secundárias, o que prejudica a adaptação metabólica das células B. No trabalho, provou-se também que monócitos Sca-1+ formados pela ação de IFN-γ durante a infecção, eram as subpopulações celulares que interrompiam o desenvolvimento do centro germinativo por meio da síntese de TNF. Deste modo, é importante destacar como respostas imunológicas inatas que, em um primeiro momento, deveriam primordialmente eliminar patógenos, podem influenciar negativamente as respostas adaptativas mediadas por anticorpos. Apesar das conclusões do trabalho terem sido claras e inovadoras, não houve o andamento de maiores investigações sobre como uma infecção primária afetava a infecção subsequente, o que era o foco inicial dos autores. Além disso, cabe ressaltar outras algumas limitações do trabalho, como a ausência de experimentos de deleção específica dos monócitos.
Figura 1. Representação esquemática do estudo de Biram e colaboradores (2022). A infecção por Salmonella thyphimurium é capaz de interromper a formação do centro germinativo (CG). O colapso desta estrutura não se relaciona ao contato direto entre as bactérias e as células B do GC, mas sim pelo recrutamento de monócitos Sca-1+ formados na medula óssea pela ação de IFN-γ, que é produzido durante a infecção. Ainda, a interrupção do GC envolve hipóxia, o que gera prejuízos à respiração celular das B CG.
Referências:
1 – WEISEL, F.J. et al. Germinal center B cells selectively oxidize fatty acids for energy while conducting minimal glycolysis. Nat. Immunol, v. 21, 331–342, 2020.
2 – ASKENASE, M. H. et al. Bone-marrow-resident NK cells prime monocytes for regulatory function during infection. Immunity, v. 42, p. 1130–1142, 2015.
3 – PAMER, E.G. Immune responses to Listeria monocytogenes. Nat. Rev. Immunol, v. 4, p. 812–823, 2004.